Sumido por aqui, porque o semestre está sendo de muito trabalho mesmo. Mas, hoje, dia dez de setembro, o Nonada Jornalismo completa 14 anos de história. Queria compartilhar um pouco o que eu aprendi todo esse tempo. Então, fiz um pequeno compilado.
- Seja sempre transparente nas suas relações de trabalho: quando o Nonada era apenas um coletivo e não tínhamos renda fixa dele (e isso durou em torno de dez anos), o fluxo de participação variava conforme o interesse e disponibilidade. Mesmo assim, fazíamos reuniões frequentes, trocávamos ideias, conversávamos sobre nossos anseios e medos dentro da profissão. Serviu muito para ampliar nossa ideia de cultura, nossos olhares sobre o mundo e caminhar para o jornalismo que estamos fazendo.
- Demorou um tempo para entendermos a nossa própria narrativa e nos colocarmos como uma peça à parte da concorrência jornalística normal. Isto é, procuramos nos aprofundar na nossa cobertura a partir de um viés único dentro do jornalismo cultural. Não gostamos da ideia de concorrência e a busca por cliques fáceis. É claro que desejamos ser lidos e alcançados, mas aprendemos que uma matéria bem apurada, com tempo, faz toda a diferença. E o impacto da leitura desse tipo de conteúdo é diferente, ele vai sendo lido com o passar das semanas, meses, muitas vezes anos também.
- O jornalismo deve aprender também com o conhecimento de outros campos, pois a área da comunicação é uma rede que conecta vários tipos diferentes de saberes. Cabe ao jornalista/comunicador conseguir organizar (e se organizar) nesse oceano.
- Mostrar o que você faz é extremamente importante. Falo isso não só de um ponto de vista mercadológico, ou de “aparecer” nas redes sociais. Mostrar os impactos do bom jornalismo e porque ele precisa existir e ser financiado é essencial na sociedade em que vivemos, no qual o contrato pragmático fiduciário, isto é, esse contrato invisível de credibilidade com o leitor está quebrado. É preciso ser transparente também nessa relação, mostrar o que você está fazendo, como está fazendo, cada vez mais. As redes sociais podem ser uma ferramenta para isso. Mas dá para ir além.
- Com isso, vamos para o próximo aprendizado: conhecer o seu território. Até para subverter o que você considerava como seu território. No Nonada por muito tempo fazíamos jornalismo sobre e para o território em que moramos, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Mas a mudança gradual no modo como ampliamos nosso conceito de cultura, nos levou a pensar que nossas temáticas poderiam ser exploradas também em outros territórios, pois a cultura é muito vasta. Com isso, atualmente nós fazemos uma cobertura nacional, atuando com freelancers em vários estados.
- Pedra fundamental do Nonada, como gosto de brincar, sempre foi inverter o que costuma ser o normal no jornalismo cultural tradicional, calcado na divulgação e agenda. A ideia intrínseca de apostar em reportagens aprofundadas na área. E isso leva tempo e investimento financeiro. Mas o objetivo de fazer jornalismo aprofundado com reportagens, observando o processo e não apenas o produto final, sempre esteve presente. Todas outras camadas foram sendo somadas à nossa rotina jornalística ao longo dos anos. E ficamos felizes de conseguir fazer isso atualmente.
- E acho que essas camadas vieram desse convívio aberto com as pessoas que passaram pelo Nonada. O que nos levou a esse caráter de investir em pequenas oficinas sempre acessíveis financeiramente para espalhar o conhecimento que adquirimos ao longo do tempo. Nós realmente gostamos dessa ideia de difundir o que aprendemos, de aprender com outras pessoas jornalistas em rede.
- O mundo mudou muito nestes últimos 14 anos, período agitado em termos políticos e tecnológicos, e sabemos que tudo isso influencia no jornalismo. Aprendemos que conectar com outras entidades é importante, logo, é essencial observar o crescimento de Associações, como a Ajor. Conseguimos inserir o Nonada entre esses veículos nativos digitais que fazem um jornalismo de impacto e que merece ganhar atenção do público/financiadores no Brasil.
- Todo esse processo de construção de uma visão diferente da cobertura cultural dentro do jornalismo cultura parte de um processo de olhar para o que você está fazendo e analisar o que faz sentido e o que essa análise aponta para o futuro. Com isso, por exemplo, durante a nossa trajetória mudamos as editorias daquelas tradicionais (teatro, cinema, literatura) para outras (cultura popular, políticas públicas, etc) que faziam muito mais sentido com a nossa visão de mundo e de cultura. E estamos sempre retrabalhando e nos analisando.
- E quando você ama o jornalismo, mas só o jornalismo não resolve mais? Nos últimos três anos, começamos a investir em projetos jornalísticos maiores e, com isso, veio a vontade quase natural de trabalhar diretamente com projetos que envolvam cada vez mais comunicação, cultura, jornalismo, mobilização, comunidades. Então, nós nos formalizamos como uma Associação Sem Fins Lucrativos em 2022 e, desde então, estamos atuando fazendo projetos de impacto que também financiam o nosso jornalismo independente. Atuando no terceiro setor e nos entendendo cada vez mais como jornalismo sem fins lucrativos.
- Não acredito em fórmulas prontas para alcançar alguma coisa na vida, tudo que a gente sempre fez foi tentar fazer e se não deu certo, tentar outra coisa, outra situação, outro projeto, outra abordagem. Tentar. Mas às vezes demora para você conseguir chegar a uma posição em que é possível tentar e errar. Demorou cerca de dez anos para conseguirmos viver do Nonada Jornalismo. É sempre uma luta. Apostar em jornalismo e cultura é muito arriscado. Tentar. Planejar. Segurar o dinheiro.
- Contar com colegas que te apoiam durante essa trajetória é essencial. Eu tive a sorte de dividir o Nonada com pessoas fantásticas durante essa caminhada e já faz uns anos que Thaís e eu compartilhamos desse trabalho-sonho-vida. Então, no meu caso, também é um projeto de vida. Ou sempre foi e eu que fui descobrindo ao acontecer. Mas, de qualquer forma, sempre é importante alguma espécie de apoio no que você for fazer na sua vida.
- Escutar sempre. Perguntar menos. Tenho alguns ganhos pessoais quando penso na minha trajetória como jornalista e com o Nonada e talvez a maior seja uma capacidade de me entender melhor e de conseguir fazer as atividades jornalísticas mesmo sendo uma pessoa bem tímida. Pode parecer besteira, mas para mim foi uma grande conquista. “Conhece-te a ti mesmo” e a partir disso crie estratégias, caminhos para conseguir fazer o que você deve fazer. É clichê, mas se desafiar é bom. Às vezes a gente só precisa de um pouquinho mais de coragem.
- Aproveite, se divirta no caminho. Você vai se estressar um monte, o que é normal, mas se não tirar um mínimo de prazer no que você está fazendo, tem algo errado. Trabalho não deve ser o principal na sua vida, certamente, e logo logo ninguém mais vai estar por aqui nesse planeta, então, por que simplesmente não se levar tão a sério assim? O humor ajuda a passar por situações mais complicadas no dia a dia. E certamente pode ser uma barreira para impedir que o trabalho entre completamente na sua vida. Não tenho resposta para construir uma divisão entre trabalho e vida, porque ainda estou tentando entender a melhor forma, mas é preciso se divertir.