O que me levou ao jornalismo foi o interesse em escrever, o que me manteve nele foi a busca por compreender as pessoas, uma espécie de terapia ao inverso. Se me entendesse um pouco nos outros, poderia entender melhor a minha vida. A tese pode ser uma besteira para você, mas todos nós temos que inventar as próprias filosofias, normalmente compostas quando se percebe as entrelinhas das decisões importantes da vida. É no relance que a nossa verdadeira face aparece.
Nada é de natureza científica quando você está entrando nas profundezas de um ser humano, porque se fabula sobre a vida e as histórias são reescritas a cada momento rememorado. Por isso, me interessa tanto também o quanto reinventamos sobre nós mesmos ao longo dos tempos. A trajetória, por assim dizer.
Mas fazer jornalismo não é se amarrar aos fatos? Rebelar-se contra a camisa de força da certeza deixa o mundo mais bonito, as palavras mais livres, a narrativa mais coerente: é também na mentira que encontramos a verdade – como muita gente melhor já escreveu por aí de diferentes formas. Qual é a camisa de força que nos aprisiona na realidade? Qual é a chave que vai descontruir aquele entrevistado?
É tateando essas questões que a pessoa escondida sob a superfície do dia a dia vai surgindo na sua frente, revelando-se nas brechas da fala (e aí precisa-se de experiência para notar como as mudanças acontecem). Uma respiração mais ofegante em uma das perguntas, o desvio do olhar, o simples ato de refletir sobre uma pergunta com uma resposta que, na superfície, não parece não ter nada a ver com nada. O corpo se comunica mais que tudo. Saber ler o corpo é também uma forma de mapear o mundo do entrevistado, de conhecer as paisagens literárias que poderão ser reveladas em um texto.
Um entrevistado mais burocrático não merece uma melhor atenção no texto, pois escrever um perfil pode ser visto também como uma via de mão dupla: o texto também é de quem escreve. O que o autor achou mais interessante na vida do perfilado e que merece relevância e notoriedade vai nascer desse jogo mútuo de interesse assinado através de um contrato imaginário e cheio de regras indefinidas.
É tentador o imaginário da visibilidade. Na grande maioria das vezes, o entrevistado vai querer entrar no jogo da aparição midiática, ganhar um texto sobre o seu trabalho é uma afirmação que alguma coisa certa ele está fazendo. E que seu trabalho merece ser reconhecido, admirado, no fundo, seu ego, ficará feliz, é claro. Mas é que nenhum bom texto é gratuito, nenhum bom texto é de graça. Há de se pagar, de diferentes formas, por se ver refletido no espelho do outro.
Que ótimo o texto! Lembrou-me o porquê do perfil e contar histórias de vidas, das pessoas, me encantam tanto no jornalismo. Durante a graduação, pesquisei perfil no TCC e escrevi um livro de perfis. Foi maravilhoso! Na minha experiência, a frase sobre o imaginário, as narrativas do próprio perfilado ou seus conhecidos serem mais importantes do que a veracidade total dos fatos foi um ponto de partida, afinal, três dos meus perfilados já haviam falecido.