O céu agora às 5h25 da manhã não tem nenhum rastro de sol. A paisagem está carregada por nuvens que parecem caminhar vagarosamente sob um azul petróleo. Não dormi. Alarmes na rua ressoam a cada dez minutos, orquestrados. O gatilho deve ser a falta de luz. Faz calor nos apartamentos mal projetados de Porto Alegre. São estufas que transparecem um mundo em declínio. Já tenho preguiça das próximas horas.
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Pensando sobre o que escrevo, nesse processo de fazer contos para cometer um livro, venho notando que escrevo sobre traumas, pequenos traumas. Na verdade todos nós somos criados também a partir desses desvios impostos pela natureza. Mas refletindo aqui o que me leva a querer escrever sempre parte de uma ideia de desconforto para tentar chegar a ato de confortar palavras em diferentes frases. Mas o difícil está nessa passagem: reorganizar o que há de verdadeiro - mesmo que um sentimento - em algo que deve parecer apenas verdadeiro.
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O alarme toca novamente e agora os pássaros já acordam, cantam. Será que daqui a alguns anos ainda teremos pássaros na rua? Minhas costas doem. Tenho tido dificuldades para dormir à medida que envelheço. Pode parecer bobagem, mas tudo era mais fácil antes, lembro do sentimento de felicidade genuína que me acometia do nada, e de literalmente pensar “estou feliz, me sinto feliz”. Essas coisas acabam passando com o tempo, provavelmente é algo hormonal, não sei. Mas é mais difícil se sentir feliz aos 35 anos, você precisa cada vez mais fazer esforço para que essa felicidade exista, de certa maneira.
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Aquela coisa de que é preciso parecer que você está feliz para ser feliz, parecer que você está escrevendo para escrever. Fingir até aprender, imitar, copiar, criar. Convencer a si mesmo que é possível para depois espalhar por aí. Agora uma claridade já sai por entre as nuvens, e um tom de branco se espalha no azul. Há uma grande araucária caída em cima da lanchonete em frente ao apartamento em que moro. Sinto uma grande triseza por essa árvore no momento.
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Na verdade, sinto pena de Osmar, neto de curitibanos, torcedor fanático do Paraná Futebol Clube. Cerca de 25 anos atrás seus avós lhe deram sementes de araucária e ele resolveu plantar ali mesmo no pequeno pátio do prédio do apartamento que recém se mudara depois do casamento com a esposa gaúcha. Nem ele acreditava que a árvore ia vingar, mas vingou. A árvore o lembrava da infância, do frio do inverno paranaense.
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Agora, já são dez para seis da manhã. O dia está nascendo. É preciso se convencer.